Georges Perec | Um Homem que Dorme















"Com o passar das horas, dos dias, das semanas, das estações, desprendes-te de tudo, afastas-te de tudo. Descobres, por vezes, quase com uma espécie de embriaguez, que és livre, que nada te importa, te agrada ou desagrada. Nessa vida sem usura e sem outro frémito a não ser os instantes suspensos que te proporcionam as cartas e certos ruídos, certos espectáculos a que assistes, encontras uma felicidade quase perfeita, fascinante, por vezes repleta de emoções novas. Vives um repouso total, és, a cada instante, poupado, protegido. Vives num bem-aventurado parêntese, num vazio cheio de promessas e de que não esperas nada. És invisível, límpido, transparente. Já não existes: há a sequência das horas, a sequência dos dias, a passagem das estações, o passar do tempo, e tu sobrevives, sem alegria e sem tristeza, sem futuro e sem passado, assim, simplesmente, evidentemente, como uma gota de água que escorre da torneira de um patamar, como seis peúgas mergulhadas numa bacia de plástico cor-de-rosa, como uma mosca ou como uma ostra, como uma vaca, como um caracol, como uma criança ou como um velho, como um rato."

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