Slavoj Žižek | A Marioneta e o Anão



"Não admira que exista uma homologia entre os ovos Kinder, o «vazio» de hoje, e a abundância de mercadorias que nos propõem como produto privado da sua substância: café sem cafeína, sacarina sem açúcar, cerveja sem álcool, etc. - em ambos os casos, encontramos uma superfície privada do seu núcleo. O sujeito, enquanto sujeito dos direitos do homem universais, não funcionará como uma espécie de ovo Kinder? Nas pastelarias francesas ainda se vendem «cabeças de negro» (têtes de nègre), bolos cujo nome tem relentos de racismo: são merengues redondos recheados de creme e cobertos de chocolate, vazios por dentro («como estúpidas cabeças de negro»). O ovo Kinder preenche esse vazio. A lição a tirar disto é que todos nós temos «cabeças de negro», com um buraco no meio. A resposta dos defensores do humanismo universalista à «cabeça de negro», a maneira como rejeitam a ideia de que todos temos «cabeças de negro», não se assemelhará a um ovo Kinder? Para os ideólogos humanistas, bem podemos ser todos infinitamente diferentes uns duns outros - brancos, negros, altos, baixos, homens, mulheres, ricos, pobres, etc. - mas no fundo de cada um de nós há o equivalente moral do brinquedo de plástico, o mesmo não sei bem o quê, um X inapreensível, que é, de certo modo, o fundamento da dignidade comum a todos os homens."

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