Rosa Montero | A Louca da Casa


"Do que não se pode falar é preciso imaginar, é preciso sonhar, é preciso alinhavar os contos substanciais com os quais nos contamos a nós próprios. O mito tem sido, desde o princípio dos tempos, a melhor maneira de combater o silêncio."

"A verdade é que a minha memória é catastrófica, ao ponto de os meus esquecimentos me chegarem a assustar. Livros lidos, pessoas e situações que conheci, filmes vistos, dados que um dia aprendi, tudo se confunde e enreda aqui dentro. De facto, quando decorre algum tempo, vinte anos suponhamos, sobre alguma coisa de que me lembro, às vezes é-me difícil distinguir se o vivi, o sonhei, o imaginei, ou, que, sabe, o escrevi (o que demonstra, por outro lado, a força da fantasia: a vida imaginária também é vida). (...) Assim se vão perdendo os dias e a vida, no despenhadeiro da desmemória. A morte não nos espera só no fim do caminho, também vai comendo o que ficou para trás."

"Os romancistas, escrevedores incontinentes, disparam sem cessar palavras contra a morte, como arqueiros empoleirados nas ameias de um castelo em ruínas. Mas o tempo é um dragão de pele impenetrável que tudo devora. Ninguém se lembrará da maior parte de nós dentro de alguns séculos, para todos os efeitos será como se nunca tivéssemos existido. O esquecimento total de quem nos precedeu é um manto pesado, é a derrota com que nascemos e em direcção à qual nos dirigimos. É o nosso pecado original."

"Escrever romances implica atrevermo-nos a completar esse trajecto monumental que nos arranca de nós próprios e nos permite ver-nos no mundo, no todo. E depois de fazer esse esforço supremo de compreensão, depois de roçar por um instante a visão que completa e que fulmina, regressamos a coxear à nossa cela, à prisão da nossa estreita individualidade, e tentamos resignar-nos a morrer."

Comentários

imo disse…
e obrigada!