Lev Tolstói | A Morte de Ivan Iliitch
"Além da mentira, ou em consequência da mentira, o mais torturante para Ivan Iliitch era o facto de não haver mais ninguém que tivesse por ele uma compaixão semelhante, da forma que mais lhe aprazeria; sim, havia momentos em que, depois de um longo período de sofrimento, Ivan Iliitch gostaria muito, por mais vergonha que tivesse de o confessar, que alguém tivesse pena dele como de uma criança doente. Apetecia-lhe que o acarinhassem, que o beijassem, que chorassem por ele, como quem acarinha e consola as crianças. Mas como era isso possível com ele, um membro importante do tribunal, com a barba a encanecer?"
"Ivan Iliitch tentava afastar o pensamento da dor, mas ela vinha, punha-se em frente dele e prosseguia o seu trabalho, olhava-o, e Ivan Iliitch ficava hirto, apagava-se-lhe o fogo dos olhos, e voltava a perguntar a si mesmo: «Será que só ela é a verdade?» Ivan Iliitch tentava recobrar ânimo, cair em si e, com grande esforço, levava a audiência até ao fim; depois voltava para casa com a triste consciência de que o seu trabalho judicial já não podia esconder dele, como antigamente, o que ele queria esconder; de que já não conseguia livrar-se dela por meio do serviço no tribunal. E o pior de tudo era que ela não chamava a atenção de Ivan Iliitch para o obrigar a fazer alguma coisa, mas apenas para que olhasse para ela, a direito nos olhos, e para que, sem poder fazer nada, sofresse indizivelmente."
"Deixarei de existir, mas o que existirá então? Nada. Mas onde estarei quando não existir? Será mesmo a morte? Não, não quero.» Saltou da cama, quis acender a vela, apalpou à volta com as mãos trementes... tombou o castiçal com a vela para o chão, voltou a cair de costas, com a cabeça na almofada. «Para quê? Não interessa - dizia a si mesmo, perscrutando a escuridão com os olhos abertos. - A morte. Sim, a morte. E ninguém sabe nem quer saber, nenhum deles, e não têm pena. Estão a tocar. (Ouvia, ao longe, os trinados de canto e ritornello.) Tanto lhes faz, mas eles também hão-de morrer. Imbecis. Eu mais cedo, eles mais tarde, vai acontecer o mesmo com eles. Mas estão felizes da vida. Porcos!» A raiva sufocava-o. O sofrimento era enorme, insuportável. Mas não pode ser que todos, e sempre, estejamos condenados a este medo terrível. Levantou-se."
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