Carlos María Domínguez | A Casa de Papel
"Pedi ao taxista que me esperasse e aproximei-me da cabana com um lenço na cara para amortecer o fustigo da areia. Espalhados em redor das portas e das janelas, meio enterrados na areia, encontrei Huidobro, Neruda e Bartolomé de las Casas; unidos a um sólido tijolo, Lawrence e Marosa di Giorgio, um resto de Eliot, outro de Lorca, o Renascimento, de Burckhardt, incrustado de pequenos caracóis, um Pallière irreconhecível e alcatroado.
«Vinte mil dólares!», gritei de costas ao vento que sacudia um madeiro do tecto e fazia-o embater contra um dos postes. Ali estavam envoltos em pedra, riscados, amortalhados numa negra capa de sujidade que não conseguia descolar.
Ajoelhado, com o lenço atado na nuca, imaginei por um instante que encontrava em boas condições uma primeira edição de Arlt, outra de Darío, um tomo do Quixote (...). De repente, ergui-me com uma insuportável sensação de terror e angústia, e deixei de escavar.
Resistia, forte, a chaminé de pedra, e a laje do pavimento podia adivinhar-se em alguns pontos, ainda livres de areia. Ali estava o mar, turbulento e agitado, e cada acometida sua parecia uma dentada. Que faria um livro ali senão enterrar-se na duna, deixar-se agarrar na escuridão, aflorar imprevisivelmente como os resto de um náufrago?"
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