Julien Green | Paris



"Subitamente, nesse instante que precede o primeiro trovão e em que tudo parece atento ao ribombar inicial, fui como que arrancado de mim mesmo e depositado entre uma multidão invisível. Fui invadido por inúmeros pensamentos, como uma onda que se abate sobre uma praia com uma espécie de ternura violenta. A alma de toda uma cidade passava pelos gritos, pelo queixume e pelas risadas da tempestade que se elevava acima da mim, e o meu coração disparou em uníssono com esta enorme alegria repleta de cólera e de alvoroço. Dir-se-ia que ao surdo estrondo do céu respondia uma voz longínqua vinda das profundezas do tempo. Eu escutava, imóvel, e depois uma longa linha de fogo percorreu o céu de uma ponta a outra, e no estrépito que ocorreu quase de imediato a chuva fustigou o velho jardim.
Escutei com satisfação esse ruído múltiplo, de sonoridades secas e perfeitamente adequadas à melancolia das memórias antigas; e em breve o sol voltou a brilhar, restituindo-me a mim próprio, com esta imensa benção do universo que todos experimentamos num momento qualquer das nossas vidas, a fragância mais delicada que existe no globo, simultaneamente a mais jovem e a mais imemorial, a mais tenebrosa e a mais inocente, a mais próxima do início do mundo e a mais nova, aquela que agita no coração humano a maior tristeza e a maior alegria: o perfume da terra molhada."

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