Enrique Vila-Matas | Diário Volúvel



"O mundo é uma ilusão, um cenário onde todos temos frases para dizer e um papel para representar. Certa classe de actores, ao reconhecer que estão numa peça, continuarão a actuar apesar de tudo; outra classe de actores, escandalizados por descobrir que estão a participar numa mascarada, procurarão sair do cenário e da peça. Os segundos equivocam-se. Equivocam-se porque fora do teatro não há nada, nenhuma vida alternativa em que nos possamos integrar. O espectáculo, como o teatro kafkiano de Oklahoma, é, por assim dizer, o único em exibição, em cartaz. E a única coisa que cada um pode fazer é continuar a representar o seu papel, embora talvez com uma nova consciência, uma consciência cómica."

"Nada me parece tão púmbleo como os domingos e as despedidas de fim de ano. Têm o lado mau de nos recordar a inexorável passagem dos dias, apesar de o Tempo não saber que o tempo passa. Aos domingos, por exemplo, até respirar se converte num lamento. É que aso domingos sentimos que deixaram de existir as relações entre as pessoas e as actividades de qualquer espécie. Aos domingos, padecemos o tempo, como se todos contivéssemos a respiração, e experimentássemos ver como será o mais além. Os domingos são uma doença não visível, como um mal interior, uma doença moral. Os domingos são espantosos. Mas há uma coisa ainda pior: as festas de fim-de-ano. Recordam-nos, como os domingos, que passou mais uma semana, neste caso, um ano. Recordam-nos a passagem do tempo e, ainda por cima, temos de o festejar. Este 2007 deixa-me uma sensação de desagrado notável. Em Paris, creio estar no lugar apropriado para lhe bater com a porta como merece, deixá-lo sem um adeus, despedir-me dele à francesa. Ou, melhor dito, à inglesa. Filé à l'anglaise. Este ano não merece nada melhor."

"Na verdade (dizia o doutor), o tempo que passamos fora é delicioso e, ao mesmo tempo e de certo modo, instrutivo; mas parece ausente da nossa existência substancial e autêntica e nunca se liga bem a ela. Para o Doutor Johnson, os que desejam esquecer ideias dolorosas fazem bem em ausentar-se durante um tempo, mas só podemos dizer que cumprimos o nosso destino no lugar que nos viu nascer. Por isso, gostaria muito de passar o resto da minha vida a viajar pelo estrangeiro, se noutro lugar pudesse pedir emprestada outra vida, para depois a passar em casa."

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