Enrique Vila-Matas | Longe de Veracruz
"É muito fácil dizer que os outros são o inferno, mas quando o inferno viaja contigo mesmo, o mais prudente que podes fazer é retirares-te do mundo e escreveres um diário. Mas no meu caso escrever é também uma manifestação obscena do mais porco cinismo. Porque no fim de contas, para quê enganar-me, cheguei à escrita não por uma terna vocação infantil ou por qualquer outro motivo nobre e desinteressado, mas sim obrigado pelas circunstâncias, quase porque não me restava outro remédio. Cheguei à literatura - que palavra bonita na boca dos outros - porque enquanto escrevo não faço mal a ninguém e ao menos não corro o risco de sujar ainda mais, com a minha ruindade e egoísmo e o meu fundo moral de ratazana, a vida já de si suja. Mas a verdade é que nem escrevendo encontro a almejada paz de espírito. Não sei quem disse que Deus não anda por aí aos saltos com um prisma a espiar-nos, mas está em cada um de nós. Mas em mim não está. Não tenho nem nunca terei paz de espírito. A Deus dei uma viagem de morte no molhe velho de Veracruz. Nunca encontrarei essa paz. Não a encontrei na vida, não a encontro na escrita. Ignoro se existe outra coisa que não seja a vida ou a literatura. Avida não interessa. Não sei quem disse que é para os criados. E a literatura não é mais que um consolo - interessante sim, mas no fim de contas um consolo - para os que se sentem desligados da vida e razoavelmente desesperados. Mereço este inferno."
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