Milan Kundera | A Brincadeira



"Sim. Todos os fios estavam quebrados.
Quebrados os estudos, a participação no movimento, o trabalho, as amizades, quebrados o amor e a busca do amor, quebrado, numa palavra, todo o curso, com sentido, da minha vida. Apenas me restava o tempo.
Quando se ouve uma música, nós captamos a melodia, esquecendo que ela é apenas um dos modos do tempo; se a orquestra se cala, nós ouvimos o tempo; o tempo em si mesmo. Eu vivia uma pausa. Não, decerto, uma pausa de orquestra, mas uma pausa ilimitada.
Tinha-me, assim, habituado a pouco e pouco ao facto de a minha vida ter perdido a sua continuidade, ter-me caído das mãos, não me restando outra coisa senão começar enfim a ser, mesmo no meu foro íntimo, aí onde me encontrava realmente e sem apelo. E, gradualmente, a minha vista acomodou-se a esta penumbra de despersonalização e comecei a distinguir as pessoas à minha volta; com um certo atraso sobre os outros, mas não tão grande, felizmente, que me tivesse tornado um estrangeiro para eles."

Comentários

rosa disse…
nota: tenho que ler mais.
imo disse…
"aí há ser".